Os moradores da Rua da Bica, na Vila São Pedro em São Bernardo já estão calejados de fugir dos deslizamentos de terra que a oito dias assombram a região. O Hoje chegou ao local a tempo de presenciar o começo de um desbarrancamento e toda a tensão que os moradores enfrentam.
O cenário é chocante, a chuva forte transforma o local em uma ameaçadora cachoeira de barro, que aos poucos vai se soltando em direção a rua lá embaixo. Desde o início das chuvas, a mais de 40 dias, ninguém dorme tranquilo.
Na Rua da Bica, pelo menos seis casas foram marcadas pela Defesa Civil como de risco. Por enquanto apenas três delas foram abandonadas pelos moradores. O maior medo deles é um escadão de concreto construído pela prefeitura para escoar água e que atravessa todo o barranco e ameaça as moradias lá em baixo.
O jornalismo do Hoje encontrou várias famílias abrigadas em um bar aguardando, temerosas, que o pior aconteça com suas casas. Ali ninguém os que já abandonaram os lares matem vigilância com medo dos furtos e aqueles que ainda estão nas casas esperam a chuva passar para voltar para dentro.
A água vermelha e barrosa escoando pela rua é o primeiro sinal de alerta e as cabeças logo começam a apontar das janelas, olhando em direção ao barranco, que como uma bomba relógio, não os deixa se esquecer do perigo em que vivem.
Em um bairro onde a tragédia já virou rotina, quando as pessoas se encontram na rua a primeira pergunta é: “Já desbarrancou?”
Para a doméstica Marisa do Nascimento, 43 anos, a resposta foi sim. Ela relatou ao Hoje os momentos de terror que viveu quando um novo desbarrancamento a pegou desprevenida enquanto dormia, na tarde de quarta-feira (27.) Marisa mora a oito meses em uma casa de fundo no pé do morro com o marido e os dois filhos.
Ela conta que mal tem dormido a mais de uma semana, com medo da terra ceder e cair em cima de sua casa, mas infelizmente o que ela temia aconteceu. Tomada pelo cansaço a doméstica pegou no sono por volta das 16h de quarta e foi acordada pelo estrondo que acompanha todas as tragédias.
“Eu ouvi um estouro e achei que era um trovão, não sabia o que estava acontecendo. Só entendi quando o povo gritou avisando e sai correndo de dentro. Não pensei em mais nada, saí descalça mesmo pra me salvar”, conta a doméstica que por sorte estava sozinha no momento.
Sua casa, como ela mesma diz, ainda não caiu, mas o risco de permanecer lá dentro é muito grande. A laje foi tomada por barro e os móveis estão amontoados na sala.
Do dia para a noite, Marisa engrossou a fila de desabrigados de áreas de risco da Vila São Pedro. Como muitos do bairro, ela agora depende da caridade dos amigos e parentes e teve que espalhar os seus pertences pessoais por aí. “Durmo um dia na casa de um, outro dia na casa de outro. Minhas roupas estão na casa da vizinha, enquanto não arrumar uma casa para alugar vai ser assim”, explica a doméstica, que se recusa a ir pelos abrigos precários da prefeitura.
Espera
Os moradores têm seguido a melhor solução que Secretária de Habitação de São Bernardo, Tassia de Menezes, pode dar: se abrigar no bar durante a chuva. Enquanto isso, eles esperam também que mais essa tragédia anunciada se concretiza e impotentes, observam suas casas serem devastadas pelo barro.
“O pior é quando para de chover, aí é só dar meia hora que desbarranca de vez”, anunciou Marisa conformada e se virou para vigiar a chuva.
*matéria publicada originalmente no Hoje Jornal
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